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Penhora de bem de pessoa jurídica de direito privado anterior à sucessão da empresa pelo poder público e o regime de precatório
- 22 de fevereiro de 2017
É válida a penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão desta pela União, não devendo a execução prosseguir mediante precatório (art. 100, “caput” e § 1º, da Constituição Federal). Com essa orientação, o Tribunal negou provimento a recurso extraordinário em que se discutiam a validade da penhora de bem da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), realizada anteriormente à sucessão de seus créditos pela União, e a possibilidade de a execução prosseguir mediante precatório.
O Tribunal observou, inicialmente, que a sucessão da RFFSA pela União ocorreu em 22.1.2007 (Medida Provisória 353/2007, convertida na Lei 11.483/2007), portanto, após a determinação da constrição judicial realizada em 21.1.2005 e confirmada pelo TRT da 3ª Região em 25.10.2006.
Também registrou que, por expressa disposição normativa (art. 173, § 1º, II, da CF) e pela pacífica jurisprudência da Corte, a RFFSA não tem os privilégios da Fazenda Pública, que, em regra, não são extensíveis às empresas públicas nem às sociedades de economia mista, porquanto submetidas ao regime jurídico das pessoas jurídicas de direito privado.
Anotou que a Corte, diante de situações excepcionais, tem entendido que determinadas pessoas jurídicas de direito privado podem submeter-se ao regime de precatórios, como no caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), empresa pública que presta serviço público da competência da União e por ela mantido.
Mencionou o RE 599.176/PR (DJE de 30.10.2014), com repercussão geral, no qual, diante também de sucessão da RFFSA pela União, o Plenário concluiu que a imunidade recíproca do art. 150, VI, “a”, da CF não exonera o sucessor das obrigações tributárias relativas aos fatos ocorridos antes da sucessão. Reconheceu que a solução do mencionado precedente poderia ser aplicada ao presente caso e salientou que os dois julgados tratam da mesma questão jurídica: a possibilidade de se concederem privilégios próprios de pessoa jurídica de direito público, sucessora de empresa privada, aos atos processuais praticados antes da sucessão.
Nesse sentido, não se pode falar em afronta a preceito constitucional nem em impenhorabilidade absoluta do bem penhorado em data anterior à sucessão processual da RFFSA pela União, haja vista a impossibilidade de a sucessão ter efeitos retroativos em prejuízo dos atos processuais praticados.
Asseverou que, em certo sentido, a mudança do regime do rito de processamento da execução, quando já estabelecida a penhora, pode ser considerada uma fraude contra os credores. A mudança, no curso do processo executivo, tal como posta nestes autos, representa uma forma de retirar dos credores a garantia de seus créditos já aperfeiçoada e consolidada na forma do regime anterior.
Por fim, o Plenário frisou que, no caso, deve ser levado em conta que o débito exequendo decorre do pagamento de direitos trabalhistas, com prestação de serviços iniciada na década de 1970, de ex-empregado da antiga empresa Ferrovia Paulista S/A (FEPASA), cuja pretensão já está a se arrastar por quase duas décadas. Salientou a existência de inúmeras execuções que tratam da mesma matéria, com processos sobrestados nos tribunais de origem aguardando a solução da presente controvérsia, cujos exequentes, se vivos, teriam mais de sessenta anos de idade. Concluiu que admitir a pretensão da União no sentido de submeter o crédito dos exequentes à ordem cronológica de apresentação dos precatórios tornaria ainda mais penosa a espera dos ex-trabalhadores em ver realizados seus direitos já reconhecidos e amparados pela coisa julgada.
RE 693112/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9.2.2017. (RE-693112)