Blog
Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar
- 7 de março de 2017
Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.
A matéria jurídica está no âmbito da responsabilidade civil do Estado de responder pelos danos, até mesmo morais, causados por ação ou omissão de seus agentes, nos termos do art. 37, § 6º, da CF, preceito normativo autoaplicável, que não se sujeita a intermediação legislativa ou a providência administrativa de qualquer espécie. Ocorrido o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado.
Sendo assim e tendo em conta que, no caso, a configuração do dano é matéria incontroversa, não há como acolher os argumentos que invocam, para negar o dever estatal de indenizar, o princípio da reserva do possível, na dimensão reducionista de significar a insuficiência de recursos financeiros.
O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto ali permanecerem detidas, e que é seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir os danos que daí decorrerem.
As violações a direitos fundamentais causadoras de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não poderiam ser relevadas ao argumento de que a indenização não teria o alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, dependente da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Sustentou que admitir essa assertiva significaria justificar a perpetuação da desumana situação constatada em presídios como aquele onde cumprida a pena do recorrente.
A garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica dos detentos constitui dever estatal que tem amplo lastro não apenas no ordenamento nacional (CF, art. 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX; Lei 7.210/1984 – LEP, arts. 10, 11, 12, 40, 85, 87, 88; Lei 9.455/1997 – crime de tortura; Lei 12.874/2013 – Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), como também em fontes normativas internacionais adotadas pelo Brasil (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas; Convenção Americana de Direitos Humanos; Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, contida na Resolução 1/2008, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da Organização das Nações Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinquentes).
A criação de subterfúgios teóricos — como a separação dos Poderes, a reserva do possível e a natureza coletiva dos danos sofridos — para afastar a responsabilidade estatal pelas calamitosas condições da carceragem afronta não apenas o sentido do art. 37, § 6º, da CF, mas também determina o esvaziamento das inúmeras cláusulas constitucionais e convencionais citadas. O descumprimento reiterado dessas cláusulas se transforma em mero e inconsequente ato de fatalidade, o que não pode ser tolerado.
Por fim, a invocação seletiva de razões de Estado para negar, especificamente a determinada categoria de sujeitos, o direito à integridade física e moral não é compatível com o sentido e o alcance do princípio da jurisdição. Acolher essas razões é o mesmo que recusar aos detentos os mecanismos de reparação judicial dos danos sofridos, deixando-os descobertos de qualquer proteção estatal, em condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa. É dupla negativa: do direito e da jurisdiçã