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Proselitismo e liberdade de expressão
- 20 de junho de 2018
O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do § 1º (1) do art. 4º da Lei 9.612/1998. O dispositivo proíbe, no âmbito da programação das emissoras de radiodifusão comunitária, a prática de proselitismo, ou seja, a transmissão de conteúdo tendente a converter pessoas a uma doutrina, sistema, religião, seita ou ideologia.
Prevaleceu o entendimento do ministro Edson Fachin no sentido de que a norma impugnada afronta os artigos 5º, IV, VI e IX (2), e 220 (3), da Constituição Federal (CF).
O Tribunal asseverou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem realçado a primazia que goza o direito à liberdade de expressão na Constituição (ADI 4.451/DF, ADPF 130/DF e ADI 2.404/DF). Observou que esses julgados sublinham, precisamente, que as restrições à ampla liberdade de expressão devem ser interpretadas à luz do que estritamente previsto em lei. Para o ministro, há, nesse sentido, convergência entre os dispositivos constitucionais e o contido em tratados internacionais de direitos humanos, especialmente no art. 134 (4) do Pacto de San Jose da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), segundo o qual o exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores.
Afirmou que a restrição ao proselitismo, tal como disposto na regra atacada, não se amolda a qualquer das cláusulas que legitimam a restrição às liberdades de expressão e de religião. Citou, no ponto, o acórdão proferido no julgamento do RHC 134.682/BA. Naquela oportunidade, no tocante à liberdade de expressão religiosa, o Tribunal reconheceu que, nas hipóteses de religiões que se alçam a universais, o discurso proselitista é da essência de seu integral exercício. Desse modo, a finalidade de alcançar o outro, mediante persuasão, configura comportamento intrínseco dessas religiões. Concluiu que isso seria simplesmente inviável se fosse impedido o discurso que se denomina proselitista.
Dessa forma, a liberdade de pensamento inclui o discurso persuasivo, o uso de argumentos críticos, o consenso e o debate público informado e pressupõe a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de informações.
Acrescentou que, não bastasse a manifesta incompatibilidade com o direito assegurado no art. 5º da CF e em tratados de direitos humanos, o art. 220 da CF consigna, expressamente, a liberdade de expressão sob qualquer forma, processo ou veículo. A rádio ou serviço de radiodifusão comunitária se insere nessa hipótese.
Por fim, ponderou o ministro Fachin que, ainda que se verifique uma teleologia compatível com a Constituição, é preciso levar em conta a veiculação em rádio de discurso proselitista sem incitação ao ódio, ou violação à própria Constituição, e, evidentemente, sem discriminações, que venham a ser minimamente invasivas em relação à intimidade, direito a ser potencialmente resguardado.
Vencidos os ministros Alexandre de Moraes (relator) e Luiz Fux que julgaram o pedido improcedente. Reputaram que a norma impugnada não configura censura prévia, apenas reforça a necessidade de se assegurar o respeito recíproco que deve existir entre membros de correntes ideológicas distintas, base necessária para o efetivo exercício das liberdades de expressão, de crenças e de manifestação do pensamento em uma sociedade democrática. A vedação legal, portanto, impede a utilização das emissoras de radiodifusão comunitária como monopólio para divulgação de uma única ideia, com a finalidade de conversão dos ouvintes a uma única doutrina, religião ou ideologia político-partidária.
(1) Lei 9.612/1998: “Art. 4º (…) § 1º – É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária.”
(2) CF: “Art. 5º (…) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (…) VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (…) IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”
(3) CF: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
(4) Pacto de San José: “Artigo 134. Liberdade de pensamento e de expressão 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.”
ADI 2.566/DF, rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 16.5.2018. (ADI-2566)