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Concurso público: questão com erro no enunciado e a atuação excepcional do Poder Judiciário no controle de legalidade
- 21 de junho de 2017
Em prova dissertativa de concurso público, o grave erro no enunciado – reconhecido pela própria banca examinadora – constitui flagrante ilegalidade apta a ensejar a nulidade da questão. De outra parte, a motivação do ato avaliativo do candidato, constante do espelho de prova, deve ser apresentado anteriormente ou concomitante à divulgação do resultado, sob pena de nulidade.
Breve resumo do caso:
Cinge-se a discussão no controle de legalidade das questões 2 e 5 da prova dissertativa do concurso para o Cargo de Assessor – Área do Direito do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Sustenta o recorrente que subsistem duas falhas evidentes nas questões dissertativas de n. 2 e n. 5. Na questão n. 2, a falha seria em decorrência de grave erro jurídico no enunciado, já que a banca examinadora teria trocado os institutos da “saída temporária” por “permissão de saída”, e exigido como resposta os efeitos de falta grave decorrentes do descumprimento da primeira.
Já na questão n. 5, o vício decorreria da inépcia do gabarito, pois, ao contrário das primeiras quatro questões, afirma que não foram publicados, a tempo e modo, os fundamentos jurídicos esperados do candidato avaliado. Registre-se, de início, que, analisando controvérsia sobre a possibilidade de o Poder Judiciário realizar o controle jurisdicional sobre o ato administrativo que profere avaliação de questões em concurso público, o Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, firmou a seguinte tese: “Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas” (RE 632.853-CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, publicado em 29/6/2015). Ou seja, de acordo com a Corte Suprema, a regra é que o Poder Judiciário não pode reexaminar (i) o conteúdo das questões nem (ii) os critérios de correção, exceto se diante de ilegalidade ou inconstitucionalidade, para fins de avaliar respostas dadas pelo candidato e as notas a eles atribuídas.
Com relação a uma das questões impugnadas, observa-se que não se busca do Poder Judiciário o reexame do seu conteúdo ou o critério de sua correção para concluir se a resposta dada pelo candidato se encontra adequada ou não para o que solicitado pela banca examinadora. Se assim o fosse, tal medida encontraria óbice na jurisprudência mencionada, que proíbe o Poder Judiciário substituir a banca nos critérios de correção por ela adotados.
Ao contrário, o que se afirma é que o enunciado da questão dissertativa contém erro grave insuperável, qual seja, a indicação do instituto da “saída temporária” por “permissão de saída”, ambos com regência constante dos arts. 120 a 125 da Lei de Execuções Penais, e que, por essa razão, haveria nulidade insanável.
Vale salientar que tanto o Tribunal de origem quanto a banca examinadora reconheceram a existência de erro no enunciado da questão.
Ratio Decidendi:
Sendo assim, não se pode fechar os olhos para tal constatação ao simplório argumento de que o referido erro não influiria na análise do enunciado pelo candidato. Com base nessas premissas, o erro no enunciado da questão teve sim o condão de influir na resposta dada pelo candidato, sobretudo considerando que os institutos da “saída temporária” e “permissão de saída” possuem regramentos próprios na Lei Execução Penal.
Essa conclusão vai ao encontro da tese firmada pelo STF no recurso extraordinário supramencionado, pois estamos diante de evidente ilegalidade a permitir a atuação do Poder Judiciário.
Quanto à questão n. 5, tem-se que, na seara de concursos públicos, há etapas em que as metodologias de avaliação, pela sua própria natureza, abrem margem para que o avaliador se valha de suas impressões, em completo distanciamento da objetividade que se espera nesses eventos. Nesse rol de etapas, citam-se as provas dissertativas e orais. Por essa razão, elas devem se submeter a critérios de avaliação e correção os mais objetivos possíveis, tudo com vistas a evitar contrariedade ao princípio da impessoalidade, materializado na Constituição Federal (art. 37, caput). E mais. Para que não pairem dúvidas quanto à obediência a referido princípio e quanto aos princípios da motivação dos atos administrativos, do devido processo administrativo recursal, da razoabilidade e proporcionalidade, a banca examinadora do certame, por ocasião da divulgação dos resultados desse tipo de avaliação, deve demonstrar, de forma clara e transparente, que os critérios de avaliação previstos no edital foram devidamente considerados, sob pena de nulidade da avaliação.
A clareza e transparência na utilização dos critérios previstos no edital estão presentes quando a banca examinadora adota conduta consistente na divulgação, a tempo e modo, para fins de publicidade e eventual interposição de recurso pela parte interessada, de cada critério considerado, devidamente acompanhado, no mínimo, do respectivo valor da pontuação ou nota obtida pelo candidato; bem como das razões ou padrões de respostas que as justifiquem.
Destaque-se que as informações constantes dos espelhos de provas subjetivas se referem nada mais nada menos à motivação do ato administrativo, consistente na atribuição de nota ao candidato, pelo que deve ser apresentada anteriormente ou concomitante à prática do ato administrativo, pois caso se permita a motivação posterior, dar-se-ia ensejo para que fabriquem, forjem ou criem motivações para burlar eventual impugnação ao ato. Tudo em consonância ao que preconizam os arts. 2º, caput, e 50, § 1º, da Lei n. 9.784/1999, que tratam do processo administrativo no âmbito federal.
No caso dos autos, a banca examinadora do certame não só disponibilizou a nota global do candidato quanto à questão n. 5, como também fez divulgar os critérios que adotara para fins de avaliação, o padrão de respostas e a nota atribuída a cada um desses critérios/padrões de respostas. Assim, não merece prosperar a alegada afronta ao devido processo recursal administrativo e do princípio da motivação, na medida em que foram divulgadas ao candidato as razões que pautaram sua avaliação, devidamente acompanhadas das notas que poderia alcançar em cada critério.
REsp 1.659.989-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 25/4/2017, DJe 5/5/2017.3